Fire Emblem Engage é o puro suco da franquia na era 3DS

E eu juro que estou dizendo isso como um elogio. CUIDADO: leves spoilers adiante!

Anne Camilla Voss
9 min readNov 13, 2023

Gostaria de, antes de tudo, fazer um adendo: eu realmente gosto muito de Fire Emblem Three Houses. Ele é um título absolutamente monstruoso em conteúdo, gimmicks e em qualidade artística, e com certeza criou um novo padrão de qualidade para os futuros títulos da franquia Fire Emblem. Mas eu conheci e amei Fire Emblem no meu Nintendo 3DS, com o título que revitalizou a franquia: Awakening, os títulos que fizeram os fãs se questionarem se a Intelligent Systems estava perdendo a razão: Fates, e o título que criou nos fãs a esperança de ver novamente jogos antigos reimaginados e modernizados para a era atual: Echoes.

Mas estamos aqui para falar de Fire Emblem Engage, certo? O problema é que não consigo falar do Engage sem ao menos mencionar alguns títulos anteriores da franquia. Isso porque Fire Emblem Engage é, em seu âmago, uma grande amálgama dos títulos de 3DS, uma “carta de amor” (expressão brega que, por algum motivo, o jornalismo de videogames adora utilizar e eu, como hipócrita que sou, estou aqui utilizando TAMBÉM) à geração que trouxe Fire Emblem de volta da beira do precipício e estabeleceu sua influência no ocidente, de uma vez por todas. Com um período conturbado no qual o jogo vazou na internet meses antes de seu lançamento, e todos acreditaram se tratar de um leak falso já que o cabelo de duas cores do protagonista era “absurdo” e rendeu apelidos como Pepsi-kun e Colgate-chan, o jogo celebratório da franquia ganhou a luz do dia e misturou fanservice, gacha, designs exagerados e tudo o que é brega e grita FIRE EMBLEM.

Fire Emblem Engage tem uma história morna, se comparado ao seu tão aclamado predecessor, Three Houses. Enquanto o Three Houses focava numa narrativa extensa, com dezenas de personagens e uma trama política medieval que envolvia disputa por poder, corrupção, uso de dogmas religiosos como controle e a discussão sobre a injustiça de uma sociedade estabelecida em castas confortavelmente construída em cima do preconceito e da ganância com os Crests (ufa!), Engage traz uma história mais… pastelona? Ao estabelecer uma narrativa fantástica, que envolve uma guerra de várias nações “do bem” contra um inimigo declaradamente “do mal” e que foi selado na primeira guerra, o jogo se inicia com o gatilho do despertar deste inimigo e do protagonista, que precisa reaprender tudo graças à amnésia que sofreu durante o sono (conveniente, né?). É óbvio que, comparado ao Three Houses, a narrativa definitivamente deu uma descida em Engage, se tornando mais simplória e até mais “qualquer coisa”. Não há grandes disputas, discussões sociais nem nada do gênero; até o escopo é menor, substituindo por exemplo o gigantesco monastério de Garreg Mach como base de operações pela pacata porém belíssima Somniel.

O Capítulo 23 se encerra com essa imagem, após a despedida de dois personagens e a certeza de que estamos perto do fim — Reprodução própria

Mesmo assim, Engage ainda é capaz de emocionar os jogadores conforme se aproxima do final da jornada. O capítulo 23 é um divisor de águas, onde fica claro que um dos temas principais desse jogo é família, os laços que formamos com as pessoas durante nossas jornadas, a validação dos nossos sentimentos e das nossas metas… E sobre encontros e reencontros. A história dos Four Hounds, o final de Zephia e Griss, a redenção tardia de Marni e o laço de Veyle e Mauvier humanizaram os vilões de forma que eu me senti mal por odiar eles desde o início do jogo (pelo amor, a Marni é insuportável em todos os mapas nos quais ela é boss!), e até mesmo Sombron tem seus motivos revelados no Endgame. Ele ainda parece um lunático gratuito? Sim, mas sua história de infância é triste e justifica ele ter focado em criar um exército de peões para satisfazer seus desejos. E nem me deixe falar sobre o tal do Zero Emblem, porque o Reddit já tá cheio de gente doida fazendo mil teorias sobre quem é ele/ela, inclusive recomendo a leitura.

Apesar de termos perdido dedicação em termos de história, o jogo brilha absurdamente em termos de gameplay. O amado, querido e perfeito Triângulo de Armas retorna ao Engage depois de ter sido SEQUESTRADO em Three Houses POR MOTIVOS QUE A HUMANIDADE JAMAIS ADIVINHARÁ. Preguiça? Facilitar o jogo para novatos, já que ele seria uma porta de entrada de drogas… Quer dizer, de Fire Emblem no Switch? Só Deus sabe. O que nós sabemos é que o Triângulo de Armas faz falta por adicionar profundidade no combate e ser, assim, um CLÁSSICO da franquia. E ele voltou! ALELUIA. Já bastava isso, sendo bem honesta, mas a Intelligent Systems foi além e adicionou um novo anexo nele: ARTES MARCIAIS VENCEM ARMAS SEM COR (adagas, tomos e arcos). Intelligent Systems, se algum dia eu te critiquei, peço perdão. JOGADA DE MESTRE.
Além do próprio Triângulo e o Anexo mencionados acima, o jogo ainda recebeu os sistemas de Break e Smash: ao acertar um inimigo com uma unidade que tenha vantagem, o jogador causa um “Break” no dito cujo, que é desarmado e não pode rebater golpes durante o resto do turno. Isso definitivamente foi pensado em combinação com os Chain Attacks, que trazem aliados próximos para darem “uma porradinha” adicional no inimigo, causando mais dano do que o esperado. O Smash, feito com armas específicas, empurra o inimigo para trás, adicionando no quesito VIOLÊNCIA, porque é maravilhoso ver aquele Corrupted desgraçado levando uma PORRADONA da Lapis com uma espada do tamanho dela e sendo jogado para trás.

Triângulos lindos, triângulos formosos! — Reprodução/Twitter & Fire Emblem Wiki

O meu Triângulo de Armas favorito ainda é o do Fates, que criou três “grupos” de arma por cor, cada um composto pela arma principal (espada, lança e machado) e uma secundária, incluindo adagas, arcos e tomos na equação. Mas, né, a gente caça com o que tem. Inclusive gostaria de adicionar como eu AMO que o Engage voltou com os inimigos monstrões genéricos, os Corrupted, porque eu tenho nostalgia com os Faceless do Fates e os Risen do Awakening. É isto, obrigada.

O design dos personagens de Engage foi feito pela artista e ilustradora Mika Pikazo, cujas obras esbanjam cores e mil detalhes diferentes que enchem os olhos. A artista, inclusive, realizou uma exibição de suas artes em Shibuya, em 2022, e recebeu apoio de boa parte da comunidade quando foi anunciado que ela era a responsável pela arte de Engage. Muitas piadas na época foram feitas sobre o cabelo de duas cores do protagonista, e como Mika Pikazo já havia trabalhado com VTubers, muitas pessoas debocharam da qualidade de seu trabalho e do quão “ridículo” era o design de Alear. Kozaki Yusuke, designer de personagens de Fire Emblem Awakening e Fates, saiu em sua defesa, bem como Chinatsu Kurahana, designer de personagens de Fire Emblem: Three Houses.

A arte de Mika Pikazo é inconfundível; exibição “Revenge Pop” de 2022 — Reprodução/Tokyo Art Beat

Mika Pikazo provou seu talento e sua qualidade como artista entregando designs fantásticos como os de Timerra & Fogado (porque Deus sabe como nós precisamos de personagens pretos de verdade em Fire Emblem, que não sejam acinzentados como o pobre Niles), Ivy e Hortensia, os vilões do Four Hounds, o próprio Sombron (a forma dracônica dele que parece uma cobra é um dos meus designs de vilão favoritos da vida inteira!) e Lumera, só para exemplificar alguns. Os designs, que pareciam exagerados e “over the top” de primeira, foram criando costume nos olhos dos jogadores, que passaram a amá-los em pouquíssimo tempo. Uma coisa podemos dizer de certeza: Engage com certeza tem a sua cara própria, o que o difere do Awakening/Fates e do Three Houses, tornando cada jogo singular e belo à sua própria forma.

A mecânica que dá nome ao jogo, “Engage”, nada mais é do que uma forma de fazer fanservice útil e bonito, o que eu super aprovei. Ao equipar um Emblem Ring com uma unidade, na hora da batalha, o jogador poderá sincronizar as duas unidades com o uso do “ENGAGE!”, que funde os dois, mudando a aparência da unidade baseada no Emblem que está equipado com ela e permitindo o uso de armas e habilidades do Emblem. O padrão de tempo de Engage é de três turnos, tendo Emblems que permitem mais tempo, e é possível recarregar a barra de energia para usar o Engage novamente na mesma batalha. Quando estão fusionados, a unidade recitará frases do Emblem com o qual está equipado (por exemplo, a unidade com Engage no Byleth falará “I’m not setting a very good example”, ou “Here’s something to believe in!”, frases clássicas do personagem em seu jogo principal ao levar dano, errar golpes ou acertar críticos), o que é muito divertido e adiciona no quesito cuidado/fanservice.

Um fanservice bem feito dá gosto de consumir! — Reprodução/YouTube

Doze Emblem Rings principais representam os doze protagonistas dos jogos principais da franquia, e a DLC do jogo trouxe novos Emblems em Bracelets no lugar de Rings, que são outros personagens ainda importantes porém meio que secundários, como Tiki, Soren, Camilla, Hector, Chrom & Robin e Veronica (essa última me deixando emocionada pois foi criada pelo lendário Kozaki Yusuke, character designer de Awakening, Fates e de Pokémon nos últimos tempos, que a fez detalhadíssima para Fire Emblem Heroes na esperança que um dia ela recebesse um modelo 3D! E ela recebeu não só uma figure oficial como ainda foi adicionada num jogo principal da franquia!). Como qualquer Emblem Ring/Bracelet pode ser equipado por qualquer personagem, as possibilidades são variadíssimas e é possível criar uma build de personagens seguindo qualquer critério que o jogador deseje. Isso adiciona, e muito, no quesito gameplay e replay, e eu já estou planejando minha segunda jogatina do Engage com o Alear masculino e usando personagens novos com novas combinações de Emblems para tocar o terror em Elyos.

Minha principal, única e constante reclamação deste jogo está na troca de classes. Preciso confessar que achei o menu de troca de classes extremamente BAGUNÇADO, confuso e cheio de informações irrelevantes que não precisavam estar ali. Desde o Awakening, a troca de classe é intuitiva, simples e direto ao ponto, sem perda de tempo. Mesmo com a possibilidade de colocar “qualquer classe” nos estudantes do Three Houses, dependendo da proficiência que fosse ensinada à eles, o sistema de troca de classes via prova era mais organizado e limpo, sucinto. Mas no Engage… Que baguncinha, heim? Eu sei que ainda podemos colocar “qualquer classe” nas unidades do Engage, basta conseguir as proficiências com o uso dos Emblems e etc, mas o menu é uma bagunça sem tamanho pra mim. Excesso de informação, e nessa forma de lista, foi o meu fim. Odiei cada segundo da troca de classes por causa do menu.

Confuso e com excesso de informações. Ew. — Fonte/Eurogamer

Fire Emblem Engage cantou para mim uma música de nostalgia e familiariedade, trazendo à tona sentimentos e sensações que ficaram nos títulos de 3DS, meus favoritos. Ainda amo muito o Three Houses e tudo o que ele trouxe de novo para Fire Emblem, e acho sua história fantástica; fico ansiosa ao imaginar como os próximos títulos beberão da fonte dele e como usarão seu legado, mas também fico feliz ao saber que a simplicidade, a excentricidade e a breguice dos títulos de 3DS segue viva no Engage. Foi uma experiência fantástica e divertida completar Fire Emblem Engage e conhecer Alear, nosso(a) novo(a) Divine Dragon. Seja bem-vinde à franquia, Engage! Que possamos rejogá-lo por muitos e muitos anos, como todos os seus antecessores, e sempre achar algo novo para nos animar e nos encher de satisfação.

(Texto escrito antes do lançamento do Fell Xenologue)

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Anne Camilla Voss

Graduanda em Jornalismo, focada em Jornalismo de Games, um pouco de cultura pop japonesa e traduções ENG-PTBR. Portfolio e contato abaixo: