Studio Pau Brasil e as intempéries da pandemia de Covid-19

Anne Camilla Voss
7 min readDec 5, 2020

--

Studio Pau Brasil em um dia de aula pré-pandemia — Reprodução/Instagram do Studio PBR

A pandemia do coronavírus (covid-19), que teve início na cidade de Wuhan, capital da China, afetou o mundo inteiro durante o ano de 2020. O contágio da “gripe” foi tão veloz e perigoso que diversos países do mundo tiveram que fechar as portas, a fim de proteger a população e evitar uma onda de contaminações. Várias cidades acabaram entrando em quarentena ou até mesmo em lockdown, estimulando os cidadãos a permanecerem em casa ou proibindo-os de sair, sob a pena de receber multas. Embora seja fatal na maior parte dos casos para idosos, o coronavírus é altamente contagioso e, por ser novo, ainda não havia uma vacina pronta para combatê-lo, o que originou os métodos de controle através da quarentena, que evitariam o contágio descontrolado. Assim sendo, o mundo teve que parar, analisar suas estratégias de proteção à vida humana e correr em busca de uma solução, ao mesmo tempo que estimulava a população à aderir ao home office e aos cuidados pessoais, através do uso de máscaras, higienização constante com álcool gel e o afastamento social.

Diversos setores da economia sofrem durante a pandemia no Brasil. Com quedas no número de vendas, graças à quarentena, diversas lojas menores tiveram que fechar as portas e declarar falência num período tão difícil para todos. Por exemplo, o turismo de negócios teve uma queda absurda comparada ao mesmo período em 2019, proveniente das políticas de distanciamento social que impediram as viagens. As escolas e faculdades tiveram que fechar as portas e aderir à modalidade de EAD (ensino à distância), para que não houvesse atraso dos semestres e anos letivos dos estudantes. Em Maceió, não foi diferente; além das escolas e faculdades, cursos menores como o do Studio Pau Brasil, que ministra aulas de desenho, também foram afetados e tiveram que buscar refúgio nas aulas online.

O Studio Pau Brasil é um coletivo de artistas alagoanos que foi fundado em 2013 e busca difundir suas produções em âmbito nacional. Situado na Rua Parque Gonçalves Lêdo, n° 271, no bairro do Farol, o Studio ministra aulas presenciais de desenho em mangá para diversos níveis, de quarta à sábado. Com o início da quarentena em Alagoas, em março de 2020, o Studio teve que se adaptar e fechar as portas, recebendo seus alunos no meio virtual e tentando manter o mesmo nível de aulas através de aplicativos para conversas e WhatsApp, além de manter o público informado através das redes sociais. Logo, não só as aulas de desenho como a produção de quadrinhos foram afetados pela necessidade de manter-se em quarentena, o que originou atrasos e confusões.

Segundo Samiha Mergulhão, professora e responsável pela área financeira do Studio, a produção mais recente de quadrinhos original do Studio, o mangá Ëruve, teve seu lançamento adiado por atrasos nos brindes que acompanhariam a edição, falta de material no mercado e pela perda de entes queridos dos envolvidos, que faleceram por conta do Covid-19. Além disso, houve uma diminuição no número de alunos ativos no Studio com a pandemia, o que pode ter sido reflexo do desinteresse dos mesmos em continuar as aulas no meio digital.

Representação infográfica da queda de alunos no Studio PBR

Ela ainda revela que o Studio Pau Brasil já tinha planos de abrir uma modalidade de curso de desenho em mangá online, com previsão de início entre o final de 2020 e o começo de 2021, mas a quarentena apressou os planos do coletivo, que se viu sem opções além do ensino à distância. Algumas das maiores dificuldades enfrentadas pelo Studio nessa adaptação, além da perda de alunos e o abalo psicológico causado pela pandemia, são a conexão à internet inconstante que há em Maceió e o estresse causado pelo home office e a falta de socialização entre professores e alunos. Samiha lamenta não poder mais ver as expressões dos alunos e acompanhá-los presencialmente, tendo que se contentar com o máximo que os aplicativos e redes sociais são capazes de oferecer.

Acerca da adaptação para o ensino a distância, surgiram diversas opções para os mais diversos tipos de cursos e escolas. O Google Meet e o Zoom foram os dois principais adversários durante a quarentena, ambos oferecendo diversas opções de uso como câmeras, microfones, compartilhamento de tela e afins. Porém, o escolhido pelo Studio Pau Brasil para ministrar as aulas de desenho online foi o Discord, um aplicativo disponível em versões de navegador e mobile que é focado em chamadas de voz e foi projetado inicialmente para as comunidades de jogos. A dúvida entre os aplicativos de conversa no home office já rendeu até guia de empresas de tecnologia para escolher a melhor opção:

Samiha explica que a metodologia de ensino via Discord, além de fornecer mais liberdade ao aluno por não exigir uma câmera ligada, foi escolhida por motivos prévios: “Já usávamos o Discord para o “Clubinho da Studio-chan” (um grupo exclusivo do Discord para os apoiadores do Studio Pau Brasil no site Apoia.se), e não tínhamos tempo para aprender “do 0” a mexer em uma nova ferramenta. Então foi uma boa ideia já termos a plataforma que podíamos dividir por salas e organizar como queremos.”

No Discord, o servidor do Studio Pau Brasil é dividido em várias salas, entre elas as salas de desenho que correspondem aos dias da semana nos quais os alunos frequentavam presencialmente. Além das salas de chat por voz, nas quais as aulas acontecem, também há salas correspondentes para postagem de material e de trabalhos feitos pelos alunos. Na falta de um quadro para lecionar, os professores compartilham suas telas com os alunos para fazer as demonstrações de desenho e ensiná-los a usar os programas para desenho digital.

Exemplo de uma das salas de aula virtuais do Studio Pau Brasil — Reprodução/Pessoal

Além da familiarização com o Discord, o Studio também se aproveitou da vantagem do home office em suas aulas: graças à facilidade do virtual, atrasos que ocorrem graças ao transporte público e pela distância geográfica entre locais foram praticamente erradicados, graças à pontualidade e a facilidade fornecidas pela adaptação virtual. Com um apertar de botões, em questão de segundos professor e aluno estão em contato, dividindo experiências e compartilhando suas produções.

Já do ponto de vista dos alunos, a transição do presencial para o virtual parece ter sido mais tranquila. Bruno Rogato, de 23 anos, foi um dos primeiros alunos do Studio desde o início do curso de desenho e usou o tempo livre graças à quarentena para reler livros e melhorar suas técnicas de desenho. Ele conta que raramente teve problemas com sua conexão e aproveitou sua familiaridade com o Discord para extrair o máximo possível das aulas ministradas.

“Com as aulas digitais, eu tenho mais chances de desenhar por que já passo muito tempo no computador. Eu me adaptei ao digital, mas não parei com o tradicional, e a melhor coisa das aulas digitais é que tenho mais tempo chance de treinar minha arte digital”, diz ele sobre a sua experiência com as aulas virtuais e o desenho digital.

Samiha também passou por um processo de adaptação na quarentena que a levou à praticar mais ainda o desenho digital (através de mesas digitalizadoras ou tablets que podem ou não ser conectados ao computador) ao invés do método tradicional, com papel e lápis. Há oito meses nesse processo, ela garante que adquiriu mais firmeza com o desenho digital e às vezes até tem medo de não conseguir voltar a se acostumar com o desenho tradicional. Graças às aulas virtuais, os alunos em sua maioria substituíram o papel pelas mesas de desenho, sendo a marca Wacom a mais comum entre eles, e desenvolveram técnicas em programas como o Adobe Photoshop, o PaintTool SAI e o Clip Studio. Assim, todo o processo, tanto de aula quanto de produção de desenho, é digitalizado e mais veloz.

Com as mudanças no cotidiano do Studio, a necessidade de adaptar-se ao “novo normal” marcado pelo distanciamento social já se torna um projeto permanente para o futuro. Os planos de manter uma modalidade online para o ensino de desenho se manterão durante o ano de 2021, independente da vacinação da população contra o covid-19, e a carga horária continuará a mesma da modalidade presencial, bem como a distribuição de conteúdos estudados acerca de desenho. De acordo com Samiha, há uma procura externa pelo curso dentro do próprio estado, e isso sugere uma modalidade totalmente virtual para acatar ao público em potencial.

Bruno aprova a modalidade virtual, apesar de sentir falta do presencial. “As aulas online podem ajudar em momentos que eu não puder comparecer, apesar de preferir o presencial. O suporte dos professores nas aulas online é suficiente, é quase a mesma coisa de tê-los me ensinando pessoalmente.”

A tendência para 2021 é a adaptação ao “novo normal” e o equilíbrio entre o home office e o presencial, que deve ser comum em escritórios, estabelecimentos e locais de ensino, dando ao indivíduo a possibilidade de escolher como pretende se desenvolver e normalizando a já avançada virtualização dos processos humanos. Pedir comida por aplicativos, entrega de compras, reuniões com os amigos através de chamadas de vídeo, aulas por métodos de ensino à distância… Aos poucos, mais e mais processos humanos são adaptados à velocidade, segurança e conectividade digital.

--

--

Anne Camilla Voss

Graduanda em Jornalismo, focada em Jornalismo de Games, um pouco de cultura pop japonesa e traduções ENG-PTBR. Portfolio e contato abaixo: